A ânsia de uma
orientação filosófica da vida nasce da obscuridade em que cada um se encontra,
do desamparo que sente quando, em carência de amor, fica o vazio, do
esquecimento de si quando, devorado pelo afadigamento, súbito acorda assustado
e pergunta: que sou eu, que estou descurando, que deverei fazer?
O
auto-esquecimento é fomentado pelo mundo da técnica. Pautado pelo cronômetro,
dividido em trabalhos absorventes ou esgotantes que cada vez menos satisfazem o
homem enquanto homem, leva-o ao extremo de se sentir peça imóvel e insubstituível
de um maquinismo de tal modo que, liberto da engrenagem, nada é e não sabe o
que há de fazer de si. E, mal começa a tomar consciência, logo esse colosso o
arrasta novamente para a voragem do trabalho inane e da inane distração das
horas de ócio.
Porém, o pendor
para o auto-esquecimento é inerente à condição humana. O homem precisa de se
arrancar a si próprio para não se perder no mundo e em hábitos, em irrefletidas
trivialidades e rotinas fixas.
Filosofar é
decidirmo-nos a despertar em nós a origem, é reencontrarmo-nos e agir,
ajudando-nos a nós próprios com todas as forças.
Na verdade a
existência é o que palpavelmente está em primeiro lugar: as tarefas materiais
que nos submetem às exigências do dia-a-dia. Não se satisfazer com elas, porém,
e entender essa diluição nos fins como via para o auto-esquecimento, e,
portanto, como negligência e culpa, eis o anelo de uma vida filosoficamente
orientada. E, além disso, tomar a sério a experiência do convívio com os
homens: a alegria e a ofensa, o êxito e o revés, a obscuridade e a confusão.
Orientar filosoficamente a vida não é esquecer, é assimilar, não é desviar-se,
é recriar intimamente, não é julgar tudo resolvido, é clarificar.
São dois os
seus caminhos: a meditação solitária por todos os meios de conscientização e a
comunicação com o semelhante por todos os meios da recíproca compreensão, no
convívio da ação, do colóquio ou do silêncio.
Karl Jaspers,
in 'Iniciação Filosófica'
Fonte: www.citador.pt
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