No
começo e no fim de todas as coisas não está a pergunta: de onde vem o mundo?
Eu sei
que existe uma resposta para essa pergunta. Uma resposta, no entanto, que está
fora do meu alcance. Ela existe, ela vive, mas ela vive atrás das minhas
costas, e não na caverna em que passo os meus dias.
Posso me
conformar com isso? Quero dizer, como é que posso me conformar em levar a minha
vida num mundo sem saber de onde ele vem?
O mundo,
eu disse! O mundo como uma rocha de toneladas que de repente passa flutuando
baixo no ar sobre a cidade. Ela simplesmente está ali, não é possível contestar
sua existência. Seria bem feito para as pessoas. Uma rocha flutuante de mais de
cem mil toneladas! Aí elas se espantariam.
O mundo
sempre existiu, você está dizendo. E não se fala mais nisso. E por que não,
afinal? Essa é de fato a idéia mais evidente. Como proposição, até mesmo
inevitável. Mas como fato é pouco convincente. Naturalmente podemos imaginar
um mundo que sempre tenha existido. Mas a questão é: é possível que
um mundo sempre tenha existido? Ele não precisa ter surgido num determinado
momento? É isso o que me interessa. 1x0.
Uma
outra idéia razoável é que Deus criou o mundo e que Deus sempre existiu.
Resolvido. Ponto final. Essa também é uma idéia evidente, mas nem por isso mais
convincente como fato. Dessa forma não estamos avançando. Apenas estamos nos
esquivando do problema. 2x0.
Quem foi
que disse que o mundo sempre existiu? Ele absolutamente não pode ter
sempre existido. Mas se nem sempre existiu, em algum momento deve ter surgido
do nada. Quase numa primeira instância, tertium non datur.
Evidentemente
podemos nos esquivar indefinidamente do problema. Mas seja como for, uma coisa
é certa: em algum momento, alguma coisa deve ter surgido do nada.
Suponhamos
que Deus tenha criado o mundo. Com isso, então, teríamos o próprio Deus. O que
tem Deus? Vamos então para a segunda rodada. Será que ele sempre
existiu? Não, essa possibilidade também acabamos de rejeitar.
Assim só nos resta a última possibilidade:
Deus criou o mundo, depois de ter criado a si mesmo!
Todavia,
se a observarmos mais de perto, teremos que rejeitá-la. Trata-se de uma idéia
paradoxal. Para não dizer desonesta e deformada. Ela morde seu próprio rabo.
Com ou sem Deus,
continuamos confrontados com o impossível, o absurdo.
(Joistein Gaarder, Pássaro Raro)
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